Carta ao editor
Prezado Editor,
Lemos, com grande interesse, o artigo de Caluza e cols. “Rede de infarto com supradesnivelamento de ST: sistematização em 205 casos diminui eventos clínicos na rede pública”. A organização de redes regionalizadas de atendimento ao IAMCSST, com integração dos diferentes níveis de complexidade, reduz os intervalos de tempo para tratamento, nomeadamente, porta-agulha e porta-balão, e aumenta as proporções de reperfusão primária, constituindo-se, atualmente, numa recomendação classe I, nível de evidência B1,2. Em verdade, a implementação de redes e sistemas de atenção ao IAMCSST já é uma tendência há mais de uma década3, e, em 2011, através da “Linha do cuidado do infarto agudo do miocárdio na rede de atenção às urgências”, a implantação de redes de atendimento ao IAMCSST em regiões metropolitanas brasileiras passou a ser uma recomendação do Ministério da Saúde do Brasil4.
O estudo citado nos despertou especial atenção por desenvolvermos uma iniciativa semelhante por meio do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) metropolitano de Salvador, Bahia. Em julho de 2009, foi criada uma rede regionalizada integrada envolvendo todo o sistema público de emergência de Salvador (municipal e estadual; pronto-atendimentos e hospitais gerais) e os dois centros públicos de referência em cardiologia com disponibilidade de laboratório de hemodinâmica5.
Ao traçarmos um paralelo com a nossa experiência local, devemos parabenizar os autores dessa rede em São Paulo pelos resultados quanto à transferência de 100% dos pacientes para um centro de referência e à proporção de reperfusão primária, química ou mecânica, acima de 90%. Em nossa coorte, por uma série de obstáculos que não são objeto desta carta, pouco menos de 60% dos pacientes puderam se beneficiar de transferência para centros de referência e temos verificado uma proporção geral de reperfusão primária de 45% (desconsiderando os 20% que buscaram atendimento médico já além da janela terapêutica de 12 horas). Em tempo, nessa rede de São Paulo não foi relatada nenhuma admissão com mais de 12 horas de sintomatologia. Houve algum caso nesse perfil? Como esses foram manejados? Ainda, há registro quanto aos intervalos de tempo desde os sintomas (dor-admissão, admissão-eletrocardiograma, porta-agulha e/ou porta-balão)?
Reiteramos o quão louvável é a iniciativa da rede de IAMCSST implementada por Caluza e cols. e os resultados clínicos alcançados. De nosso conhecimento, não existem muitas redes dessa natureza no Brasil ou América Latina, numa contradição às evidências e experiências exitosas em países europeus e norte-americanos.
Carta-resposta
Agradecemos os comentários de Solla1 a respeito do artigo que publicamos nos ABC2 e concordamos que infelizmente em nosso meio as “redes” para tratamento de infarto com supradesnivelamento ainda estão em seu início, diferentemente de sistemas bem estabelecidos na Europa3,4 e nos Estados Unidos, como publicado por Cannon e cols.5. Nesse sentido, é interessante que nossos resultados, hoje com 620 casos, se aproximam de redes já estabelecidas conforme tabela 1 adiante em que adicionamos nossa experiência ao exemplo publicado no JACC6.
Temos acompanhado os resultados do grupo de Solla, Filgueiras e Carvalho em Salvador, mediante apresentações em Congressos nacionais e agora com a publicação no Circulation Outcomes7; parabéns e nosso reconhecimento pelos resultados obtidos. Concordamos que a Linha de Cuidado do IAM adotada pelo Ministério da Saúde e apoiada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia é um passo na direção correta.
Quanto às perguntas especificamente formuladas:
1) Não colocamos nessa amostra, e nos desculpamos se não fomos claros o suficiente no artigo, pacientes com mais de 12 horas de evolução; esses casos hoje constituem na rede, felizmente, uma proporção pequena de pacientes (menor que 10% do total no Hospital São Paulo). Até porque, a sistematização do atendimento e o Telecardio praticamente eliminaram a perda de tempo do paciente decorrente de ir de um local para outro até ter o diagnóstico e o tratamento iniciado. Os casos que não realizaram reperfusão tinham razões específicas: neoplasias em tratamento, reconhecimento de que se tratava de pericardite, pós-operatório de trauma, cinecoronariografia recente, achado de artérias ocluídas pequenas. Os pouquíssimos casos incluídos com mais de 12 horas de início do quadro o foram por causa de dor persistente e importante;
2) Alguns intervalos de tempo de nossa experiência: mediana do tempo de início do quadro para agulha de 3,5 horas, início do quadro para balão de 93 minutos (ATC primária) e início do quadro para cateterismo nos casos de fármaco invasiva de pouco mais de 9 horas. Esses dados refletem o uso rápido de Tenecteplase (TNK) e transferência não muito prolongada, impedindo deterioração dos pacientes nos pontos de origem, com consequente contribuição na baixa mortalidade obtida;
3) A interpretação do eletrocardiograma (ECG) feita pelo sistema Telecardio do Hospital São Paulo, para o Samu e AMA participantes, teve um tempo de informação do diagnóstico menor que 2 minutos. Nos ECG feitos nos PS participantes o tempo foi maior, mediana 17 minutos nos casos com informação completa disponível.
A nossa sistematização exige que o paciente a ser submetido a ATC primária tenha o tempo diagnóstico-balão inferior a 90 minutos, exceto em casos com contraindicação absoluta ao trombolítico. Nessas condições o resultado obtido, agora em 620 casos, com as limitações de um registro, não mostrou diferença significante de mortalidade após o uso de TNK seguido de cineangiografia/intervenção se necessário (80% da amostra) versus angioplastia primária, com mortalidade hospitalar de 6,5%.
Atenciosamente,
Ana Christina Vellozo Caluza
Antonio Carlos Carvalho,
pelos demais autores